4 de jul. de 2011

A propósito querida,

Para ler ao som de "Eternal Life" do Jeff Buckley!


Eu ando por fora. Por fora de mim que não sou por dentro.
Diga – me,
Quem lê os livros que escrevo?
Quem repara minhas roupas?
Quem lava minhas roupas?
Quem me compra roupas?
Quem canta as canções
que te fazem chorar?
Quem chorou quando você foi embora?
Quem quer saber de você?
Quem planta roseirais?
Quem se espeta na rosa rubra de sangue?
Quem sangra por uma rosa?
Quem mente à mesa do almoço?
Quem arrota blasfêmias contra sua cintura?
Quem mente por sexo?
Quem mente para os céus
enquanto engana – se ajoelhado ao pé da cama?
Quem tem vergonha de Deus
por ser tão minúsculo quanto as vontades?
Quem pergunta as horas
por não ter nada mais a dizer?
Quem diz que tem?
Quem sobe as escadas do abandono?
Quem é triste e falível?
Quem faliu o ócio do abandono?
Quem te fornece amizades cítricas
em manhãs de um Agosto fúnebre?
Quem te vê todos os dias?
Quem quer te ver
por apenas um dia?
Quem devota cada dia a você?
Quem te tem pela mão?
Quem te ama?
Quem te ama?
Quem te ama?
Quem te mata o desejo?
Quem deseja seus dedos
agarrados ao rosto?
Quem se perdeu?
Quem está perdido?
Quem agora dorme?
Quem está acordado
além de mim, que berro. E de você que está com sono?
Quem agora foge,
de loucos cientistas paternais
de casas cheias do vazio cor de carbono
de sonhos tormentas agonias
de caminhões sem freio carregados de plumas
de despertadores eficazes contra a depressão celestial
de ruas largas pintadas de asfalto de vida seca
de torres de catedrais que andam na frente das nuvens
de copos de cerveja quente
de cinzeiros limpos e pigarros sujos
de lágrimas forjadas na Rua de Minas
de conversas fiadas sugerindo sacanagem
de mentiras coradas e sapatos fora de moda outra vez
de monstros disfarçados sem piedade
de casas cheias de irmãos que mentem em alta voz
de cachorros doentes que lambem sua sarna
de telefones teleguiados até que ‘eles’ sequem e desistam
de música alta e uma conta paga
de corações quentes e seu medo da solidão
de esquinas cegas e o perigo constante
de janelas e suas grades de plástico
de choque elétrico e agulhas afiadas
de cidade sem futuro e o futuro duvidoso
de suas fugas para o vazio
de aviões amarelos no quintal de casa
de navalhas que perderam o fio
de enfermeiras insones do pronto socorro
de pastores e a lua aqui na terra
de bares novos e seus bêbados velhos
de mulheres baratas a preços baratos
de bicicletas sem equilíbrio ladeira a baixo
de xícaras de café amargo para curar gripes
de barcos à deriva atracados ao píer
de camisas amassadas dobradas na gaveta do closet
de espelhos sugadores de almas
de cartões postais de paisagens de idade falsa
de muros ornados com cacos de vidro verde
de noites de frio e um cobertor curto
de televisões e seus corpos malucos
de palhaços apodrecendo sob os bolos de aniversário
de alianças tatuadas nos dedos de mentira
de sirenes super espaciais caladas
de dores que nascem ao despertar
de intermináveis sessões de teologia pagã
de conversas sob bebedeira no balcão
de longas viagens ao centro da Terra a cada ressaca
de guardas desnudos sem ódio no coração
de amigos pedindo dinheiro emprestado
de ausências presentes na fúria dos olhos castanhos
de lençóis limpos de quartos de hotel com água fria
de fazendas e seus currais fétidos
de cirurgias de unha encravada
de dolorosos tratamentos para a cura da dor
de abstinência de vida em excessos
de rádios malditos que não se calam nunca
de postos de gasolina e seus frentistas sempre sorridentes
Quem lamenta as dores
alheias ao merecimento?
Quem chora
e quem grita?
Quem se desespera com sua distância?
Quem é solidão?
Quem é dilúvio dos olhos?
Quem quebra espelhos?
Quem beija sua testa?
Quem agora jura?
Quem ontem não cumpriu as outras juras?
Quem tem os joelhos calejados?
Quem se sacrifica por seus filhos?
Quem agora quer filhos?
Quem ainda é filho?
Quem morreu?
Quem morre?
Quem morre de medo?
Quem morre de medo de quem morreu?
Quem morre de medo de morrer?
Quem morreu numa segunda-feira?
Quem foi enterrado numa segunda-feira?
Quem hoje te sorriu?
Quem amanhã se calará?
Quem doma seu tempo?
Quem não tem tempo?
Quem há tempos você não vê?
Quem enxerga
e quem tem medo de ver?
Quem ouve
e quem escuta?
Quem finge não ver?
Quem fingiu ter escutado?
Quem deita e logo dorme?
Quem dorme e nem “vê”?
Quem te bate a porta?
Quem bate à tua porta?
Quem toca os sinos da matriz?
Quem lê suas cartas?
Quem te escreve cartas?
Quem manda no mundo?
Quem tem seu mundo pessoal?
Quem agora vê,
as cores brilhando na íris
as casas sorrindo
as árvores verdes desabrochando verões
as janelas abertas
as crianças vivas sujando o chão de felicidade
as fotografias felizes em tardes felizes
as cortinas pulsando tranqüilidade
as mãos quietas dadas
as taças brindando vinhos lilases com data de validade
as ondas quebrando em seu corpo
as camas arrumadas depois de um sono espesso
Quem toca o seu rosto?
e tem os olhos brilhando?
Quem agora vai confiar?
Quem agora acredita?
Quem vai amanhecer comigo
ainda que não amanheçamos?
Quem agora vai me perdoar,
pela covardia de minha impossibilidade
pela dúvida que carrego
pela culpa que me abraça
pelas palavras que eu te disse
pela agonias que te apresento
pelas soluções sem solução que tento achar
Quem agora pode me dar as respostas
para dúvidas que ainda terei
e para as certezas que carrego no colo.
A propósito querida, você ouviu o que eu disse?

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