26 de mai. de 2014

Prólogo do abandono - (Segunda Parte)


[...] E quantas solidões existem para fazer – me companhia,
desde que as chaves da cidade me foram entregues
aqui nesse apartamento aparentemente não aparento ser mais eu
tão longe
tão perdido
tão enfadado
tão amolado
tão insípido...

Desconfio que minha cara nesse espelho não seja mais minha
pareço triste
e
estou
triste
as lágrimas secaram

Tão grande e esse vazio aqui dentro
por onde anda a mesma felicidade que eu joguei fora e hoje ri numa foto
parada me olhando
debochada

Algumas sirenes e seus vultos em cores
povoando o horizonte que enxergo pela janela
molhada
da
chuva
que
choveu
ontem
a tarde

Entenda o significado
dos passos que se aproximam ruidosos de sua porta
pode ser que eu perca meu amor próprio,
quero afinal te ouvir
dizer
que
me
odeia
odiou
e
odiará
desde que te abri a porta do carro naquele março quente
cheirando a pólvora e esgoto naquela avenida que já não sei o nome
mas me lembro do muro pichado “O AMOR É IMPORTANTE, PORRA!”
você acha lindo
e sempre me lembrava disso,
tu teve maiores prioridades

Eu dou um passo
respiro
penso melhor
mas você não consegue entender
não lê as letras miúdas
no rodapé dessa quinta – feira fúnebre

Os leões fugiram das jaulas
constelações de vagalumes pavimentam a grama do jardim
centenas de desesperados traiçoeiros nadando na fonte cheio de limo e lodo ao lado do baralho amarelo dos velhos sentados no banco,
aviões caindo num oceano qualquer
mineiros chilenos radicados no centro da terra
policial errou o tiro e tirou o amor de dentro da casa
ônibus sem freio que resolveu voar
prostituta morta na BR 101
meu chá preto gelado esquentando no vão da janela
garoto brincando na areia
os guardas tomando cachaça
tempero entrando nas narinas
sangue de pernilongo na parede
mulheres queimando os cabelos no salão
caça inimigo sem combustível pousando Filipinas
jegue comendo a roupa
banana comendo o macaco
o mar fazendo tour pelo Japão
Angra dos Reis soterrada
semáforo desligado
livro de filosofia no bidê no banheiro
Pequeno Príncipe
Alice no Subterrâneo
Tubarão com faca nas costas
Acenda os Faróis
A cor da espelho
Sob a Janela
Fusca amarelo abandonado na frente do quartel

                        Por essa e por tantas outras
hoje não faz mais frio
o dia teima em não amanhecer
alguém disse que a noite é uma criança
a noite é uma enxaqueca
e tem muita luz sob teus olhos
só existe sexo,
quando o que você precisa, meu amor, é de amor

E você ama
mas te custa admitir
ou
deixar certos hábitos
a vida cobra bastante caro
a cada escolha uma renúncia
escolhendo o momento
renunciamos toda a vida

“Estrelas! Estrelas como em todas as outras noites!”

meu travesseiro me causa torcicolo
mas todos os dias me debruço sobre ele [...]

0 Acenderam os faróis :